13 de julho de 2025

‘Histórias de mortes são as mesmas’: Acre teve quatro casos de feminicídio no 1º semestre de 2025


Casos foram registrados em janeiro, abril e junho, sendo que no último foram dois na mesma semana. Dos quatro suspeitos, um morreu e os outros estão presos. 75% dos assassinatos ocorreram na regional do Baixo Acre. Feminicídios no Acre no 1º semestre de 2025: Janice Lima, Auriscléia Nascimento, Luana Rosário e Graziely Oliveira
Reprodução e Arte g1
Graziely, Janice, Auriscléia e Luana. Estes são os nomes das quatro vítimas de feminicídio no Acre no primeiro semestre de 2025, sendo dois assassinatos somente em junho, na mesma semana.
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Em três dos quatro casos, os criminosos foram presos. É que um deles, o Francisco Gilberto Gomes, de 55 anos, foi encontrado morto em uma área de mata dez dias após o crime. O assassinato de Janice, inclusive, foi o único que aconteceu na capital, e com emprego de arma de fogo.
Nos outros três, todos os suspeitos usaram faca para assassiná-las, e com dezenas de golpes.
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Feminicídios no Acre no 1º semestre de 2025
MP-AC e Arte g1
Em apenas um dos casos, o de Auriscléia, a vítima convivia com o suspeito. Nos outros, todas já tinham terminado o relacionamento e seguiam suas vidas.
Dos quatro feminicídios, somente Luana estava amparada por medida protetiva.
Com exceção do caso Graziely, todos os outros ocorreram na regional do Baixo Acre, que compreende, além de Rio Branco, os municípios vizinhos Senador Guiomard e Capixaba.
Contudo, em todos os crimes, mulheres foram assassinadas de maneira violenta, na frente de familiares, dentro de casa e até em via pública, e tiveram sonhos e projetos interrompidos por seus algozes que estavam sóbrios quando cometeram o crime.
“As histórias de vida das mulheres são diferentes, mas as de mortes são as mesmas”, disse a professora Alice Bianchini, doutora em Direito Penal, durante palestra com profissionais da imprensa na sede do Ministério Público do Acre (MP-AC).
Nesta reportagem, o g1 rememora, com base em informações da plataforma Feminicidômetro, do MP-AC, o perfil das vítimas, o que ocorreu com os envolvidos após o crime e a situação atual do processo de cada caso.
Graziely Lima de Oliveira foi assassinada em Mâncio Lima, no interior do Acre, em janeiro
Reprodução/Instagram
Graziely
Era 1h da madrugada do dia 17 de janeiro quando a estudante Graziely Lima de Oliveira, de 19 anos, foi encontrada morta a golpes de faca e estaca em Mâncio Lima na frente da casa do ex-namorado, Pedro Tarik, de 23, que fugiu e foi preso mais de 24 horas após o crime. Outro envolvido no espancamento também foi pego pela polícia.
A irmã da vítima foi quem encontrou o corpo e chamou a polícia. Ele confessou que matou a ex alegando ciúmes. Foram 12 facadas e golpes de madeira no rosto. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foi acionado, mas só pôde constatar o óbito.
“A vítima foi bem agredida no rosto, que é uma característica de feminicídio. O agressor geralmente quer desfigurar a vítima nesse tipo de crime, nesse tipo de agressão”, afirmou na época o subcomandante da PM, capitão Robson Belo.
Pedro Tarik é o suspeito de ter matado Graziely e está preso
Reprodução
Graziely estava morando em Cruzeiro do Sul, mas foi a Mâncio Lima curtir as festas de fim de ano. A vítima era descrita por familiares e amigos como ‘cheia de sonhos’. Ela queria ser policial para realizar o sonho do pai.
“Ele disse para o delegado que tinha reatado, mas não reatou, ele mentiu. Eles não reataram. Ele nunca aceitou o fim deles dois. Está com um ano, eles terminaram em 2023. Ele vivia fazendo pressão mesmo. Mandava mensagem, aparecia aqui em casa do nada. Desde então, ele nunca deixou ela em paz, até ela ir para Cruzeiro do Sul. E agora que ela voltou pra cá, ele fez isso. Isso não pode ficar assim, ele tem que pagar pior do que ele fez”, disse Tatiane Oliveira, irmã que encontrou vítima no chão.
O processo segue em tramitação na Justiça do Acre.
Janice foi assassinada com dois tiros em abril, na capital acreana
Arquivo pessoal
Janice
82 dias depois, o Acre acompanhou mais um feminicídio. A cozinheira Janice da Rocha Lima, de 41 anos, foi assassinada após ser atingida por dois tiros, um no tórax e outro na boca, na noite do dia 9 de abril, na casa onde morava, na Rua 6 de agosto, bairro Seis de Agosto, no Segundo Distrito de Rio Branco. Ela deixou três filhos.
O principal suspeito do crime é o ex-marido que viveu com a vítima por 19 anos, identificado como Francisco Gilberto Gomes, conhecido como “Ceará”. Ele foi encontrado morto dez dias depois, em avançado estado de decomposição.
De acordo com a PM, testemunhas informaram que o casal tinha brigado e estava separado há 36 dias e, recentemente, vinha ameaçando Janice. O homem não aceitava o fim do relacionamento e a filha da vítima contou à polícia que ele teria comprado uma arma há poucos dias.
Francisco Gilberto Gomes, conhecido como “Ceará”, foi encontrado morto dias após o crime
Arquivo pessoal
O filho da vítima, de 21 anos, tentou conter o ex-padrasto, mas foi baleado com um disparo no braço e foi levado em estado estável pela ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).
O processo segue em tramitação na Justiça do Acre, mesmo com a morte do suspeito.
Auriscléia Lima do Nascimento, de 25 anos, foi assassinada e o marido, Natalino Nascimento, de 50, é o principal suspeito
Arquivo pessoal
Auriscléia
Foram 63 dias até o terceiro feminicídio no Acre. Auriscléia Lima do Nascimento, de 25 anos, foi assassinada a golpes de terçado na zona rural de Capixaba na manhã do dia 11 de junho. O principal suspeito é o marido, o pastor evangélico Natalino do Nascimento Santiago, de 50 anos, que fugiu do local do crime, foi visto por populares dias depois e foi capturado no dia 14 do mesmo mês.
Dias antes do crime, uma amiga da vítima, Ana Maria, disse que Auriscléia falou que estava com medo de morrer. Os familiares comentaram que um dia antes ela já estava “estranha”, como se ela estivesse sendo ameaçada ou coagida a algo.
“Ela lutou pelos filhos até o último dia da vida dela, porque no auge da morte, desfalecendo, ela puxou o irmão e disse: ‘luta pelos meus filhos, luta. A guarda deles é para ficar com vocês’. Ela se preocupou com a guarda das crianças e não queria que ele [Natalino] ficasse com eles”, menciona.
Natalino do Nascimento Santiago, de 50 anos, responsável pelo assassinato de Auriscléia
Reprodução
Natalino já foi condenado por matar uma mulher há quase 25 anos. Silene de Oliveira Marcílio foi estuprada e assassinada no dia 3 de setembro de 2000 na zona rural de Senador Guiomard, cidade natal dele. Por conta do crime, Natalino foi julgado e condenado a 27 anos, mas foi para o semiaberto por bom comportamento na época.
O processo segue em tramitação na Justiça do Acre.
Luana Conceição do Rosário, vítima de feminicídio em Senador Guiomard, no Acre
Reprodução/Instagram
Luana
Dois dias depois, na manhã de 13 de junho, Luana Conceição do Rosário, de 45 anos, foi assassinada a facadas em via pública em Senador Guiomard. Ela tinha saído de casa para comprar pão quando o suspeito, o ex-marido José Rodrigues de Oliveira, de 54 anos, a atacou e fugiu em seguida.
Câmeras de segurança de um açougue registraram o momento em que o suspeito desce da moto, joga o capacete no chão e a ataca. Após isto, ele foge em cima do veículo. A ação criminosa ocorreu por volta das 7h40. Ninguém a socorre, mesmo com testemunhas nas proximidades.
José, que já tinha antecedentes criminais por violência doméstica, foi capturado horas após o crime, confessou que matou Luana alegando que sentia ciúmes da ex-mulher e que tentava reatar o relacionamento.
José Rodrigues de Oliveira, de 54 anos, é o principal suspeito pelo assassinato de Luana Rosário
Reprodução/Instagram
Luana é ex-babá da filha da vice-governadora do Acre, Mailza Assis.
“Mesmo amparada por medida protetiva, ela foi vítima de uma violência que tantas vezes denunciamos. Sua ausência hoje é pessoal e coletiva: expõe a urgência de fortalecer cada elo da rede de proteção às mulheres”, disse a política em nota.
O processo segue em tramitação na Justiça do Acre.
Feminicídios no Acre
Um dos fatores que contribuem para a perpetuação do cenário de violência, segundo Bárbara Abreu Araújo, coordenadora do Núcleo de Direitos da Mulher e da Diversidade de Gênero da Defensoria Pública do Acre (DPE-AC), é a dependência econômica que as vítimas possuem, geralmente, dos cônjuges. Outra barreira que precisa ser superada é a do machismo, que ainda permeia a sociedade brasileira.
“Em briga de marido e mulher, a gente tem que meter a colher, sim. Então é esse tipo de prática, esse tipo de cultura enraizada, o machismo estrutural, nos avisando, nos gritando de que as vítimas elas precisam de ajuda, não só dos órgãos públicos, mas também da sociedade civil. Esses casos servem para nos mostrar de que o feminicídio está aí, tem cara, é um crime ‘democrático’, todas nós mulheres estamos sujeitas a ser vítimas, mas principalmente as mulheres que se encontram em situação de vulnerabilidade”, citou.
O feminicídio é o assassinato de mulheres em razão do gênero, ou seja, quando a vítima é morta pelo simples fato de ser mulher. No Acre, a plataforma Feminicidômetro, do MP-AC, aponta um quantitativo alarmante de 81 crimes consumados de janeiro de 2018 a 15 de junho deste ano.
O dado choca a sociedade, os órgãos de polícia e o Ministério Público do Acre (MP-AC), que também acompanha os desdobramentos e luta por justiça junto às famílias enlutadas. No total, foram 158 tentativas de feminicídio neste período. Uma delas foi o de Adriely Araújo Silva, 18 anos, esfaqueada 15 vezes. Ela sobreviveu ao crime e o suspeito está preso.
“Essas mulheres são mortas e eles [crianças] ficam sem pai e sem mãe. Porque em regra, o agressor é o companheiro e ele vai preso. É um crime de fácil elucidação, já que é um crime muito pessoal. Na maioria dos casos é utilizado faca que é um utensílio doméstico, que está ali na casa. Também demonstra os requintes de crueldade. Nunca é um golpe só. Geralmente são muitos golpes de faca, nessa região, do rosto, peitoral, pescoço, então, é um crime de ódio mesmo”, comenta a procuradora de justiça do MP-AC, Patrícia Rego.
Audiência pública discute situação alarmante de feminicídios no Acre
A PM do Acre disponibiliza os seguintes números para denunciar casos de violência contra a mulher:
(68) 99609-3901
(68) 99611-3224
(68) 99610-4372
(68) 99614-2935
Veja outras formas de denunciar:
Polícia Militar – 190: quando a criança está correndo risco imediato;
Samu – 192: para pedidos de socorro urgentes;
Delegacias especializadas no atendimento de crianças ou de mulheres;
Qualquer delegacia de polícia;
Secretaria de Estado da Mulher (Semulher): recebe denúncias de violações de direitos da mulher no Acre. Telefone: (68) 99930-0420. Endereço: Travessa João XXIII, 1137, Village Wilde Maciel.
Disque 100: recebe denúncias de violações de direitos humanos. A denúncia é anônima e pode ser feita por qualquer pessoa;
Profissionais de saúde: médicos, enfermeiros, psicólogos, entre outros, precisam fazer notificação compulsória em casos de suspeita de violência. Essa notificação é encaminhada aos conselhos tutelares e polícia;
WhatsApp do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos: (61) 99656- 5008;
Ministério Público;
Videochamada em Língua Brasileira de Sinais (Libras).
VÍDEOS: g1

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